Pequenos transes

O vidro do para-brisa se embaça
limpador desembaça o vidro
temporariamente
abrimos as janelas das laterais
vapor se vai
fechamos as janelas
vapor volta
tá tudo embaçado, você diz
não respondo
mas respeito a saída pelo óbvio
o vidro do para-brisa se embaça
limpador desembaça o vidro
temporariamente

Estrada é mar – digo
você continua olhando firme para as ondas
uma faixa amarela
divide tudo ao meio
asfalto que se abre
mar vermelho
seus olhos também se abrem
quando te digo
estrada é mar
mas as mãos
dirigem

O cerrado passa rápido por nós
lento o suficiente para encurralar
hoje está verde
ontem estava seco
verde sufoca mais do que preto
um homem entre as árvores olha pra gente
empunha arco e flecha e
é forte
negro
não te digo

Pelo resto da viagem
nosso silêncio

 

Douglas de Oliveira Tomaz

sem título

emprestar das plantas o equilíbrio
a essa posição bípede que só vê
mas não alcança

ajustar o enquadramento ao redor
ver a serra que tosse
ou a borboleta que é quase folha desprendida

ou a pedra que cicatriza uma palavra
por milhões de anos, depois ainda
de você deixar as terras soltas deste mundo

no seu tempo menor você germina
a sua própria palavra
enquanto necessário for

Jéssica Martins Costa

Free

 

a substância escorre espessa
paredes branco gelo encerram o dia
               as cadeiras de rodinha
               as teclas desbotadas
reveste tudo que toca
uma película fina e pegajosa de total aderência
como podem os dias tão lentos
movidos pelo gorgolejar ininterrupto da cafeteira
mulheres & homens fabricam industriosos
volumes imensos
                                              de tédio

sob o olhar implacável da gerência
orquestra de pigarros
medem os gestos
tentam vencer o dia
os anos vão tão depressa
recorrem à conversa miúda
aos prazeres miúdos
nos corredores do dia cabem
vinte cigarros
a fumaça se desfaz no vento
os anos vão tão depressa

 

Yuri Riccaldone